Data: Na próxima data disponível.
Série: 3º
ano do Ensino Médio
Carga horária: Dois períodos.
Assunto:
Leitura e
Interpretação de texto.
Objetivos:
• Analisar o senso crítico, posicionamento e opiniões diante de um texto sensível e reflexivo.
Metodologia:
• Leitura, reflexão e interpretação do conto.
• Construção de conceitos com a turma.
Recursos:
• Fotocópias do conto
Serão entregues: um conto e um questionário.
Descrição das atividades:
1.
Ler o conto
“Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector.
2.
A turma será desafiada a interpretar o conto, responder questionário
sobre o texto e expressar de forma oral e escrita seu posicionamento em relação
a certos aspectos levantados pelo tema apresentado.
3.
Avaliação:
Serão avaliadas participação oral, crítica e escrita da turma.
I.
Leia o conto abaixo. A seguir, responda o que se
pede:
FELICIDADE CLANDESTINA
(Clarice Lispector)
Ela era gorda, baixa,
sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto
enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se
não bastasse, enchia os
dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo
menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai.
Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes
mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como
"data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha
para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa
menina devia nos odiar, nós
que éramos
imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo
exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem
notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados
os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o
magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente,
informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu
Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E
completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no
dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava
devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado
como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que
havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para
buscá-lo.Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a
esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar
pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez
nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias
seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me
esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não
caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente
nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a
resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal
sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia
seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou.
Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu
corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu
sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se
quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia
diariamente à sua casa, sem faltar um
dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo
ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras,
sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu
estava à porta de sua casa,
ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar
estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu
explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa,
entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais
estranho o fato de não estar entendendo. Até que
essa mãe boa entendeu. Voltou-se
para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de
casa e você nem quis ler!
E o pior para essa
mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta
horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio:
a potência
de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento
das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a
filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por
quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro:
"pelo tempo que eu quisesse" é tudo
o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se
seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o
livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei
que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto
tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu
peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia
que não o tinha, só para depois ter o susto
de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de
novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi
que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas
dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade
sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como
demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro
aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase
puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu
amante.
Lispector, Clarice, 1925-1977
Felicidade Clandestina: contos/ Clarice
Lispector. - Rio de Janeiro: Rocco, 1998.ISBN: 85-325-0817-0
RESPONDA DE ACORDO COM O TEXTO E SE POSICIONE
ATRAVÉS DE SEUS ARGUMENTOS PESSOAIS
1) Em sua opinião, o que seria uma “Felicidade Clandestina”?
2) Como é caracterizada psicologicamente a
personagem “filha do dono da livraria”? Confirme sua resposta através de
trechos.
3) Depois de obter o livro de Monteiro Lobato, qual
foi a atitude da menina?
4) Qual foi a reação da mãe da menina ao presenciar
a narradora em sua porta? Que surpresa ela teve?
5) No conto,
qual é a “Felicidade Clandestina” que a
narradora experimenta? Responda justificando com exemplos encontrados no texto.
6) Tendo em vista que o conto apresenta “ acidez nas
relações humanas”, explique essa interação entre as personagens, aponte tais
comportamentos e compare com atitudes que já presenciou.
7)
“Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio
arruivado. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos
achatadas(…)”. Como essa caracterização se denomina? Discorra sobre esse trecho, expondo suas
opiniões críticas, porém, sem torná-las agressivas.
8) Interprete a seguinte frase: “Não era mais uma
menina com um livro: era uma mulher com o seu amante”.
9)
No conto, como era vista a leitura? As personagens principais pareciam ler apenas por obrigações escolares? Como você classifica os últimos livros que leu ?
10) De acordo com suas
experiências pessoais, quais“ felicidades clandestinas” você gostaria que fossem reconhecidas?
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